AS FAMÍLIAS
HELIO SALEMA
“Interpretações são frutos da mente humana”
CAPÍTULO UM
O clube mais imponente e luxuoso da região, no interior do
Estado, estava repleto das figuras mais ricas, influentes e respeitadas da
cidade. Era a festa do casamento mais aguardado dos últimos anos, Maria Helena
e Augusto José. Das expectativas mais sonhadas, por aqueles que acreditavam que
seriam convidados, às mais debochadas e desrespeitadas por aqueles, que com
certeza, não iriam nem para catar os restos e limpar o chão.
A decoração luxuosa
e belíssima sem precedente no local. Iluminação perfeita, destacando cada
detalhe, meticulosamente colocada para tornar o ambiente, não só agradável, mas
causar um “frisson” a todos. A orquestra no palco dava um ar de cinema.
Horas antes à frente da principal igreja da cidade começavam
a chegar pessoas das mais diversas classes. Eram fotógrafos, cinegrafistas,
organizadores profissionais e até os músicos com seus violinos acompanhados das
moças do coral. Como não poderiam faltar, curiosos convictos.
As organizadoras, muito educadas, tiveram dificuldade
para acomodar os convidados e familiares, embora estivessem seus lugares
previamente reservados.
Por mais organizadas, não foi possível evitar alguns
problemas. O Senhor Prefeito, a primeira dama e filha chegaram pouco antes da
noiva. Ficaram em pé por alguns minutos. Até que alguém resolveu ceder parte
dos lugares ocupados por seus familiares. O que provocou espanto e comentários
de alguns:
— Está querendo um emprego ou uma boquinha.
— É “puxa” profissional.
A chegada da noiva foi triunfal, na frente um carro com
meninas vestidas impecavelmente. Cada uma trazendo uma rosa vermelha na mão
esquerda e na direita buquê branco. Assim que o carro da noiva parou as meninas
se posicionaram, formando uma passagem. A noiva desceu do carro e se posicionou
entre as meninas. Embora sorrindo, demonstrava uma indisfarçável ansiedade.
Tudo isso exaustivamente fotografado e filmado. Depois de
longos minutos se dirigiram até a porta da igreja, sempre as meninas à frente.
Novamente, uma longa espera. Finalmente, de fora, ouvia-se um som vindo de
dentro da igreja.
Era o rufar dos tambores. Em seguida, o som dos clarins. Após
um silêncio, a porta se abriu e lentamente, as meninas entraram demonstrando
que foram muito bem treinadas. Finalmente a noiva entra ao som de violinos,
tocando a AVE MARIA. Quando a noiva estava na metade do trajeto, foi a vez do
coral, acompanhado dos violinos, cantar AVE MARIA. Uma cena que jamais será
esquecida por todos aqueles que tiveram o privilégio de ali estar.
Principalmente no momento das alianças, quando os violinos tocavam uma música
bem conhecida e o coral, repetidas vezes, cantava:
— FICA MAL COM DEUS QUEM NÃO SABE DAR, FICA MAL COMIGO
QUEM NÃO SABE AMAR.
Na saída, assim que os noivos atravessam a porta, ouve-se
um barulho. Um helicóptero despejava pétalas de rosas brancas e vermelhas sobre
os noivos, todos ficaram incrivelmente, surpresos. Exceto um dos padrinhos que
sorria a todo vapor, como alguém que dá, e ao mesmo tempo, recebe o presente.
Na chegada dos convidados ao clube, mais trabalho para os
organizadores: levar cada família até à mesa previamente reservada. Muito
depois de estarem todos acomodados, chega o casal.
Novamente, um momento de esplendor, a orquestra começa a
tocar uma música empolgante e triunfal. Os noivos entram acompanhados pelos
familiares. Ao se acomodarem, o noivo vai até a orquestra pega o microfone, a
orquestra começa a tocar uma música e ele canta para a noiva … “Minha Namorada”.
O desempenho do noivo foi esplêndido, recebeu da noiva,
em lágrimas, um prolongado abraço e, beijos. O público aplaudiu de pé por um
longo tempo. Enquanto isso a orquestra tocava músicas suaves, complementando assim
com um ar de romantismo a belíssima festa. Os noivos dançam ao som de “Suave é
a Noite”. Em seguida, ainda dançando, convidam todos a participarem. Em poucos
minutos o salão estava repleto. Tudo tão maravilhoso, como num filme dos velhos
tempos.
Quando os noivos acabaram de se despedir, mesa por mesa,
e saíram, uma multidão foi até o lado de fora para bater palmas e cantar.
Muitos ainda queriam cumprimentá-los mais uma vez.
A festa acompanhou a madrugada. Os últimos convidados, ao
saírem, se depararam com o clarão do sol, avisando aos boêmios que já era outro
dia, havia muito tempo.
CAPÍTULO DOIS
Hoje, dia do meu aniversário. Vinte e cinco anos, último
ano de faculdade e bem de saúde física. Emocionalmente arrasado. Nos últimos anos,
agora, eu estaria junto com amigos.
Independente do lugar, da hora e de qualquer coisa.
Não sei se foi destino ou fatalidade. Há duas semanas
perdi dois amigos num acidente de carro. Sorte não estar naquela viagem,
simplesmente, porque não aprecio show de rock.
Ficar em casa e conversar com meu avô Giba. Ouvir minhas
músicas preferidas da MPB, e curtir o frio, coisas que me agradam. Receber
alguns telefonemas, certamente, pois avisei que não haveria comemoração. Tomei
esta atitude mesmo sabendo que a presença de uns poderia amenizar a ausência
dos outros.
Ainda há pouco, quando Dona Abaci chegou e me deu os
parabéns, eu lhe disse que meu único presente hoje, será dado por ela. Um prato
de nhoque, aquele maravilhoso que só ela sabe fazer. Também é o preferido de meu
avô Giba. Ela mudou sua expressão de espanto por um sorriso de satisfação. O que
me fez muito bem.
Eu e meu avô usufruímos aquele maravilhoso almoço. Lembramos
e comentamos como Dona Abaci transformava a casa num verdadeiro lar. Daqui a
duas semanas meu avô Giba completará 80 anos e disse que desejava repetir a
comemoração.
Depois fomos para a cobertura conversar. Estava um dia claro
e agradável, podíamos desfrutar da paisagem. Aproveitei para falar que estava começando
a escrever a história de nossa família. A partir do meu nascimento. Pensei que
ele fosse relatar detalhes, mas preferiu ficar pensativo. Então falei de como
me agrada olhar daqui de cima e ver como é grande, magnífica e linda nossa
capital. Ele que também nasceu e cresceu aqui, sempre demonstrou ser grande
entusiasta desta metrópole. Falou de como o bairro evoluiu nestes últimos anos.
Em seguida para eu não voltar ao assunto perguntou pelos
preparativos da formatura. Falei que pouco sabia, já que não participava da
organização. Parecia que estava indo bem, apesar das divergências de costume.
Resolvi comentar sobre meu outro plano na certeza de que
ele participaria. Minha carreira como advogado, junto com o Doutor Luís Castro,
que alugara a nossa sala, onde meu pai trabalhou. Foi uma conversa longa e
muito boa, pois meu avô sempre me apoiou na minha escolha profissional. Muitos
elogios ao Dr. Luís Castro, filho de um dos seus melhores amigos.
Concluiu dizendo:
— Família de pessoas competentes e honestas. Com certeza você
estará num bom e acolhedor ambiente de trabalho.
Até que o efeito do almoço lhe deu sono e ele foi
cochilar. Fui para o meu quarto, preparei os objetos necessários para iniciar
aquela árdua e longa tarefa. Relatar fatos dos parentes e amigos, com certeza
seria a parte mais difícil. Fiquei em dúvida se conseguiria. Resolvi primeiro me
deitar e ouvir música.
CAPÍTULO TRÊS
No dia seguinte, os noivos embarcaram para um cruzeiro de
vinte dias por vários países. Os pais recebiam, quase todos os dias, notícias e
as comentavam com os demais parentes. Também com amigos que ansiosamente,
aguardavam por notícias.
Poucos dias antes do retorno, começaram os planos para recepcioná-los.
Alguns gostariam que fosse uma segunda festa. Outros pensavam que, após uma
viagem cansativa, seria melhor uma recepção breve. Prevaleceu o grupo festeiro.
Imediatamente iniciaram os preparativos.
A decoração ficou a cargos dos familiares. Escolheram algo
que lembrava a cada um dos noivos acontecimentos de sua infância e juventude. Também
do início do namoro. Como surpresa um enorme painel com as fotos da cerimônia
na igreja e da festa no clube. Numa sala especial foram colocados todos os
presentes, ainda na embalagem, com os respectivos cartões.
CAPÍTULO QUATRO
Poucos dias após meu nascimento minha mãe veio a falecer.
Sempre foi uma pessoa frágil e doente. O que provavelmente levou meu pai a aceitar
morar com sogro e cunhada. Era uma casa grande, bonita e confortável. Onde
moramos até o falecimento de meu pai, cinco anos após o da minha mãe.
Meu avô não quis continuar naquela casa. Era muito grande
para ele, tia Cristina, que naquela época já estava noiva, e eu. Quando passo
por lá vejo e admiro a casa, mas não me lembro dos detalhes internos.
Hoje a minha família se resume em mim e meu avô. Minha
tia Cristina casou e mudou-se para os Estados Unidos. Seu marido já vivia lá algum
tempo, trabalhando como piloto de avião comercial.
Estudei na melhor escola da capital. Frequentei os
melhores clubes, mas as minhas reais amizades eram de poucos amigos, não mais
que meia dúzia. Nenhum me acompanhou na faculdade, escolheram outros cursos. Um
deles, Fabrício, junto com os pais, foi para Portugal. Reduzindo a dois, os
mais ligados, até que aconteceu o acidente fatal. A partir daí minhas amizades foram
bastante superficiais.
A família de meu pai sempre morou no interior, numa
pequena cidade. Muito longe, estrada horrível. Só fui lá duas vezes, no
aniversário do meu avô José, quando ainda era criança e depois quando ele
faleceu. Na primeira vez eu e meu primo Felipe brigamos. Ele me xingou e disse
que eu não era da família. Imediatamente, meu avô José interveio e zangou-se
muito com ele. Isso me magoou mais do que os socos e empurrões. Até hoje quando
me lembro da maldita frase, me entristeço. Também por não saber se é verdadeira
ou não. Está dúvida me corrói. Nunca consegui uma resposta convincente.
Quando do falecimento do avô José, conheci uma de minhas
primas, Maria Helena, muito simpática, bonita e bastante atraente. Muita
semelhança com minha mãe, além do mesmo nome, principalmente, nos retratos de
minha mãe adolescente. Conversa agradável que durou muitas horas. Mais
satisfeito fiquei quando Felipe apareceu e ela me disse que o detestava.
Ela é a única pessoa da família do meu pai e daquela
cidade que eu gostaria de reencontrar.
CAPÍTULO CINCO
No porto, duas
famílias vindas do interior, aguardavam com muita alegria e ansiedade o atracamento
do navio, que trazia o casal. Vieram numa caravana de vários carros para
conduzi-los até a cidade natal, onde uma grandiosa festa já estava pronta, no
haras dos pais da noiva. Só para os
membros de ambas as famílias.
A festa durou o sábado inteiro, inclusive com “palestras”
sobre a viagem. No domingo o tradicional
“enterro dos ossos”. Os recém-casados só iniciaram vida normal na
segunda-feira, quando puderam, a sós, entrar na rotina da vida a dois.
O marido ainda teve uma semana de férias. Aproveitou para
acompanhar a esposa ao haras. Ela que sempre foi apaixonada pelos animais mais
contente ainda estava, pela companhia dele nesses dias.
Quando o marido voltou a trabalhar, Maria Helena além de
cuidar da casa, continuou participando da administração do haras, o que sempre
fazia desde o início da adolescência junto com o pai. O contato com os animais
e o ambiente lhes davam segurança e tranquilidade. Principalmente, pelos bons
resultados obtidos em concursos. Além dos prêmios e recursos financeiros.
Com o falecimento do seu pai, dois anos depois, assumiu inteiramente
a administração sem atropelos.
CAPÍTULO SEIS
Na semana seguinte após completar 85 anos, meu avô Giba, acometido
por um mal súbito, teve que ser hospitalizado. O médico recomendou a internação
para fazer exames e avaliar melhor. Quando estávamos a sós me avisou que,
aparentemente demonstrava um quadro grave, que necessitava de uma avaliação
junto com outros médicos. Preocupado e faminto fui à procura de algo para
comer.
Na lanchonete do
hospital encontrei Bárbara, uma amiga, que conversava com uma mulher muito bonita
e atraente, tanto quanto um prato de nhoque para quem estava faminto. Por
alguns instantes, fiquei de longe, deslumbrado, olhando as maravilhas que a
natureza produziu e o meu coração sucumbiu. Não demorou para que Bárbara me
visse e acenasse para eu ir aonde elas estavam.
Ao me aproximar a linda flor me fitou com um olhar que
não consegui entender e me deixou bastante confuso. Percebi a aliança e o meu
coração gelou, tão de repente que comecei a sentir todo o meu corpo congelado. Fomos
apresentados, mas gelado ainda fiquei ao ouvir:
— Prazer, Maria Helena.
Não lembro o que eu disse, ainda bem que Bárbara começou
a falar que Maria Helena era filha de uma conhecida, que residia no interior.
Que o marido Augusto José estava na sala para uma cirurgia do coração. E a convenceu
a se alimentar, já que a cirurgia seria longa. Aproveitei para falar do meu avô
que estava internado para fazer exames. Maria Helena falou da sua preocupação
com a cirurgia do marido, e também com os sogros que residiam no interior, e que
certamente estariam aflitos.
Aproveitei para
lanchar junto com elas. Assim que terminaram, elas foram para o quarto aguardar
as notícias. Fiquei sozinho, pensando… “Maria Helena … A segunda mulher que
vejo, que subitamente me encanta e que tem o mesmo nome de minha mãe”.
No dia seguinte nos encontramos no elevador do hospital.
Perguntei como o Augusto estava passando, ela respondeu que estava na UTI e
passava bem. Em seguida a porta do elevador se abriu, ela se despediu e saiu.
Minha cabeça fervia de pensamentos e desejos. Desejos naturais para um homem no
início dos seus trinta anos. Diante de uma mulher formosa em tudo que era visível
e mais ainda no imaginário.
Ao chegar ao quarto, no dia seguinte, meu avô estava acordado,
notei-o abatido, quieto e pensativo. Cumprimentei. Ele respondeu, mas não me
perguntou nada. Era normal ele querer saber alguma coisa. Respeitei o silêncio
dele, embora tenha ficado muito preocupado.
Depois de alguns minutos ele olhou para mim e começou a
falar:
— Acho que há uma coisa importante para você relatar na
história da família. A morte do seu pai não foi apenas um acidente. Embora ele
estivesse muito ferido, havia uma bala no crânio. A polícia da cidade onde ocorreu
o acidente investigou, mas não obteve resultado. Algumas pessoas sugeriram que contratássemos
uma investigação particular. Eu e sua tia decidimos deixar por conta da polícia.
Consideramos que seria melhor nos preocuparmos com você e seu futuro. Pois nenhuma
novidade poderia trazer seu pai de volta.
— Não havia nenhuma desconfiança?
— Desconfiança não resolveria. Talvez trouxesse mais aborrecimentos
e tristezas. Depois, longo silêncio e um suspiro profundo:
— Quando seu pai tinha pesadelos falava:
— Marieta… Marieta… Cuidado com os cavalos.
— Uma única vez perguntei-lhe quem era Marieta, ele não
respondeu. Isso começou depois que terminou a sociedade com Dr. Antônio. Também
passou a apostar em cavalos. Viajar nos fins de semana e beber, mais que o
normal.
— Por que desfizeram a sociedade?
— Nunca quis dar detalhes. Apenas disse que saiu da
sociedade. Não queria trabalhar com um traidor. Muito estranho, já que eram
amigos desde o colégio. Dr. Antônio voltou para seu estado de origem, e nunca
mais tivemos notícia alguma. Sentimos
sua falta. Pelo menos uma vez por semana, jantava conosco e tínhamos uma boa
conversa.
— O que levou meu pai a passar os imóveis para o meu
nome?
— Foi depois de uma conversa longa e difícil que consegui
convencê-lo a passar os imóveis para o seu nome e os aluguéis depositados na
minha conta. O que permitiu manter o nosso padrão de vida. Os rendimentos obtidos no escritório, ele
gastava tudo. Ele sempre dizia que era um aventureiro convicto. Eu nunca duvidei
e pensava, comigo mesmo, “aventureiro irresponsável”.
Dois dias depois meu avô faleceu. Senti então o peso e a
responsabilidade de ter que viver sozinho. Não ter com quem conversar sobre coisas
importantes e ao mesmo tempo banais. A solidão que talvez já existisse, fez
sentir sua presença.
No velório Bárbara e o marido chegam juntos com Maria
Helena, que me abraçou e beijou meu rosto, como se já nos conhecemos de longa
data. Para colocar minha cabeça no lugar, perguntei pelo marido. Ela disse que
estava bem, já no quarto, e mandou condolências. Fiz questão de agradecer.
Alguns minutos depois falou que tinha que ir, novamente
me abraçou fortemente. Mas desta vez não teve beijos.
Semana seguinte, Bárbara me avisou que o Augusto teve
alta e já estava em casa no interior. Pensei…Era a senha para eu esquecer
aquela mulher. Minha companheira estaria à minha espera em algum lugar desta
grandiosa cidade. Talvez mais perto do que eu poderia imaginar. Era uma questão
de tempo, mas quão terrível é a espera.
CAPÍTULO SETE
Ledo engano. Duas semanas depois Bárbara me liga, avisando
que o Augusto falecera. Pediu minha companhia para ir ao velório. Fiquei
pensando se deveria ir, enquanto ela dava detalhes. Concluí que seria melhor ir.
Era sábado, eu não tinha nenhum compromisso. Não ficaríamos para o enterro.
Voltaríamos cedo, pois Bárbara tinha um compromisso à noite.
Durante a viagem conversamos muito sobre o acontecido. Ela
falou que havia poucos dias Maria Helena telefonou e comentou estar preocupada,
pois o marido sentia dores no peito, mas ele achava que era normal.
Alguns minutos de silêncio, em seguida disse estar
contente com a minha companhia e que também Maria Helena certamente ficaria. Achei estranha a maneira dela ao fazer este
comentário. Fiquei aguardando a
continuação, apesar de ansioso para saber o porquê, não me atrevi a perguntar.
Comentou sobre a bela paisagem da estrada, o que
concordei, em seguida falou que Maria Helena, sempre que se comunicava,
perguntava por mim ou falava alguma coisa a meu respeito. Nesse momento pensamentos
bons, e outros não tão bons, brigavam na minha cabeça.
Ao chegarmos ao velório eu me senti confuso. Lembrei-me de
como ela me tratou no do meu avô. Faria a mesma coisa? Certamente que não. Cumprimentaria
sem abraço e, beijos. Muita gente estranha para mim, poucas pessoas conhecidas de
minha amiga também. Pensei “estou em terras alheias”. Todo cuidado é pouco.
Ao entramos na capela Bárbara cumprimentou algumas
pessoas da família e me apresentou.
Quando Maria Helena nos viu, veio ao nosso encontro,
abraçou Bárbara longamente, chorando. Eu, ao lado, tremendo sem entender o
porquê. Ela parece que se acalma, olha para mim, vem ao meu encontro. Soluçando
me abraça e com voz trêmula agradece minha presença:
— Obrigado por vir, José Antônio.
Outras pessoas se aproximam, ela sai dos meus braços e
vai se afastando. Que alívio. Fui saindo bem devagar em direção a um lugar com
poucas pessoas. Mesmo longe dela eu me sentia fazendo parte daquela tristeza.
Minutos depois minha amiga faz um sinal para sairmos.
Ficamos bem distante dos familiares. Mais alguns minutos
saímos sem despedirmos. Pois o clima era bastante tenso.
Na volta incialmente falamos das perdas que já tivemos em
nossas famílias. Lembramo-nos de amigos e conhecidos que também se foram. Ela
falou da preocupação com a situação difícil da Maria Helena. Depois olhou para
mim e completou que ela sem dúvida iria superar. Um olhar que me fez pensar se
ela me imaginava fazendo parte da solução. Fiquei só na imaginação. Não tive
coragem de perguntar. Fui um covarde ou precavido?
Em casa tomei um banho. Liguei a televisão, mas não conseguia
pensar em outra coisa ou outra pessoa. De tanto pensar nela cheguei a acreditar
que ficaria maluco.
Semana difícil, os dias não passavam, nem o trabalho me distraía.
Ainda mais ao atender uma cliente. Inventário de uma viúva residente no interior,
a qual um amigo me indicara.
Na semana seguinte não resisti, assim que consegui o
telefone, liguei dizendo que estava muito preocupado com ela. Conversamos sobre
nossas perdas e que deveríamos ter esperança de dias melhores. A partir daí
nossas conversas tornaram-se quase diárias.
Passados alguns meses, apesar de temer a reação dela, tive
a coragem de dizer que gostaria de uma conversa pessoalmente. Não respondeu de
imediato. Maldito silêncio. Mais alguns segundos e disse que seria melhor
esperar um pouco mais. Concordei. Assim continuamos nos comunicando por e-mail
e telefonemas, por algumas semanas.
Novamente fiz o convite, a resposta foi aguardar passar
seis meses. Quando finalmente concordou em nos encontrarmos, ela disse que
havia discutido o assunto com a mãe, a qual sugeriu que eu fosse até lá, para uma
visita.
CAPÍTULO OITO
Chegando à casa fui recebido por uma senhora simpática,
toda de branco, que me explicou que D. Marieta e Maria Helena tinham ido ver o
potro que acabara de nascer, mas que já estavam vindo. Sorridente me convidou
para entrar.
Sentei-me na sala e poucos minutos depois ouvi barulho de
pessoas chegando. Era Maria Helena que me apresentou à sua mãe. Ao ouvir seu
nome, Marieta, me veio à lembrança o que, me fora dito, pelo meu avô Giba.
Perguntou se eu tinha feito boa viagem. Pediu desculpas por terem chegado
depois, e disse que a culpa era dela que, muito ansiosa com o nascimento do
potro, fez a filha se atrasar. Sorri e disse que não havia problema, eu
compreendia a situação.
Maria Helena
também estava toda contente. Fiquei na dúvida se era minha presença ou o
nascimento do potro. Ficamos os três conversando. Eu disse que tive um pouco de
dificuldade na entrada da cidade. Pelo que a mãe dela perguntou:
— É a primeira vez que vem a esta cidade?
Não querendo
mencionar o dia do enterro, respondi:
— Sim. Sua filha é que sempre falou coisas maravilhosas
daqui.
— Antes o senhor
nunca ouviu falar da nossa cidade?
— Não. Meu pai tinha amigos aqui, há muitos anos.
— Mas ele nunca lhe falou nada?
— Não. Ele faleceu quando eu era pequeno.
Depois de alguns segundos, pensativa:
— Qual era o nome do seu pai?
— Dr. Calisto.
Heitor Calisto Flores dos Santos.
Silêncio e um olhar estarrecedor. Parecia que uma notícia
inesperada e péssima havia chegado. Levantou-se e anunciou:
— Vou providenciar um café pra nós.
A sós, ficamos a meditar em silêncio.
Maria Helena quebrou o silêncio, perguntando como fora a
viagem. Respondi, tranquila e com muita expectativa. Ela sorriu e acrescentou
que também esteve muito ansiosa nos últimos dias:
— Ansiosa com o nascimento?
Sorrindo, exclamou:
— Também.
E começou a falar sobre o potro, evitando naquele momento
falar dos próprios sentimentos.
Sua mãe chega e avisa que a mesa de café já estava
pronta.
Durante o café nos
falamos pouco. Ao término D. Marieta suspira e começa a falar, pausadamente:
— Ficarei muito contente se vocês continuarem com a
amizade através da internet e telefonemas.
Maria Helena se assusta, olha para a mãe e pergunta:
— Mãe, por quê?
Aquela senhora que até o momento demonstrava ser forte e
segura, coloca as mãos postas em frente ao rosto, como se solicitasse ajuda
divina. E em desabafo de um grande peso:
— Filha…você foi fruto de uma paixão divina, arrasadora e
obsessiva com um conquistador aventureiro.
VOCÊS SÃO IRMÃOS!
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