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segunda-feira, 27 de março de 2017

Recordação indesejável - Ana Catarina SantAnna Maues


Resultado de imagem para caderno antigo no meio de livros

Recordação indesejável
Ana Catarina SantAnna Maues

  Fazia um bom tempo que Isis planejava descer ao porão e fazer uma faxina, pois lá estavam seus livros preferidos. Neste sábado  acordou animada para tal tarefa e descendo as escadas logo que os viu brincou:

— Pronto, queridos cheguei! Entre teias de aranha esperavam com paciência.

  Com carinho ela ia retirando um por um e como que acariciando-os afastava o pó e se derretia de alegria quando as cores de suas capas tornavam a reviver, os dourados mais dourados e assim por diante. Quando aconteceu de passando os olhos para retirar mais um, avistou um caderno  entre eles, o que estranhou muito. Pensou de imediato: “Será que é ele? Estava certa que o  havia destruído!”.   Seu coração veio na boca. Ao tomá-lo da estante confirmou, era sim o seu velho diário, aquele de sua juventude. Ela sabia muito bem o que estava alí, seus maiores segredos,  momentos mais  indignos, feitos que deveriam permanecer longe muito longe da Isis de agora.
 
As máscaras

     Nem em seu pior pesadelo Isis poderia supor que um dia ficaria frente a frente com seu passado sórdido. Encontrar aquele caderno que  serviu-lhe de diário causou grande constrangimento e além, quem teria encontrado e colocado alí  por certo o teria lido. Apenas o pensamento de tal possibilidade,  causava-lhe ânsia de vômito.  Tanto tempo construindo uma nova face um novo costume e agora isto, sentia-se como uma virgem deflorada. Alguém sabia de tudo e deixou propositalmente o caderno entre os pertences que ela considerava  como seu maior tesouro, os livros. Muito atormentada apressou-se em queimar uma por uma daquelas páginas, como se o ato pudesse apagar da história aquele tempo.

   Os dias corriam e ela os vivia de forma penosa. Olhava para o marido e filhos com a impressão de ter perdido a máscara. Sentia-se ameaçada, amedrontada. Avaliava toda e qualquer mudança de humor dos parentes como se tivesse chegado o momento das cartas na mesa,  associava ao que supunha ter sido desmascarada.  Todos estranhavam a aspereza de seu comportamento, e reclamavam cobrando a leveza e doçura de antes.

   Os meses passaram e com eles aquela  sensação terrível de ser punida a qualquer momento. Isis pouco a pouco foi aliviando a tensão e não se sentia mais como  se uma adaga fosse ser fincada em seu peito.


   Os filhos cresceram, teve netos e bisnetos, envelheceu, ficou viúva e nunca soube realmente quem colocara o diário ali.  Desconfiava mas não podia afirmar, pois a pessoa em questão nunca abordou o assunto. Talvez tivesse apenas colocado naquele lugar, como um objeto de valor entre os que sabia ter ela,  carinho especial, os livros, e não tivesse lido. Ela morreu e seus mistérios também.

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